segunda-feira, 12 de abril de 2010

Melão Mamão

(Do livro em produção)


Beira da ponte, palafita, madeira quebrada, cheiro de merda entra pelo nariz. Na terceira quase-casa à esquerda, em toda noite de lama, jorra leite dos peitos de Jussara. Foi à noite, mês passado no surto de dengue hemorrágica: foi-se filho, ficou leite nos peitos de Jussara.
Fila se forma desde a beira do rio até a porta da mãe de leite dos meninos fome. Uma fila de choro mestiço: desconsolo e fé. Menino entra Jussara segura nos braços, menino suga leite do peito ferido com gosto de melão ou mamão. Doce como tira gosto de fome.
Pontualmente, feito mato que espera chuvas no norte, quando escurece: peito jorra leite Jussara enxuga o bico, dois minutos cada menino. Grudado, menino magro não tem só dois minutos de fome. “Tira o menino!”, grita Jussara. “Ta rasgando” urra. Puxa o menino que num milagre se cala. Careta de quem tomou a dose certa.
E Jussara nem é tão solidaria assim. Nunca havia repartido pão suado, nunca havia tido chance de ser boa. Sentiu-se orgulhosa quando viu noticia no jornal: Seu nome, a foto da fila e a manchete que dizia: DENGUE EMORRÁGICA PROVOCA EMORRAGIA DE LEITE.

2 comentários:

  1. ...a gente sabe da carência, da mudança, da impermanência...

    Dois textos. Olhos e olhares atentos. Dois textos, foi o que me surgiu. Menina nova não tem só dois textos de fome.
    Segura os textos (peitos?) de Aninha.
    Os lê 2, 4, 6 vezes. Sempre de dois em dois.

    Dois é o que se tem, dois é o que se lê. Olho pra trás e posso ver a fila de leitores atentos, ansiosos e confusos.

    Mas estou na frente, ufff... a primeira a oferecer o colo...

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  2. Porque a dose certa está no que se tem disponivel. Qualquer migalha cala choro de criança faminta de não morrer de fome.
    Jussara não, mas você foi... Só por compartilhar.

    ;)

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