terça-feira, 4 de agosto de 2009

Vacilo

Piso com cuidado
na grama do teu amor.
Deixo pegadas rasas,
medo de fincar os pés
e deixar marcas,
para entrar e sair
a hora que quero.

Defesa

coberta de pedras e algodões
sem saber
espinho e seda
eu
estrada aberta
retalho em colcha de vidro
corto pedaço
de quem se proxima.

28.06.09

reu confesso

crime,
castigo meu
meu vermelho
é meu negro com calor
todos os meus erros
pouco.
toda penitência
pouco.
matei para perturbar a ordem
matei para ser fera
por amor ao ódio
que vive em mim.

Baseado em Fatos Reais

para mary rose


na falta de seda, apertou no jornal e fumou.

Maria Pereira de Albuqureuque

Não por acaso, minha mãe. Alta literatura! como ela mesmo costuma dizer...

Cerca de papoula

Ele estava no alto da cerca apanhando a papoula mais vermelha para me oferecer. Uma amiga – quase irmã – chegou junto e ficou olhando para ele igual se olha um deus.
Eu o olhava de igual pra igual sabendo que ele era meu, propriedade particular, inalienável.
E ele nos olhou em divertido e desesperado desamparo. Eu era sua alma gêmea. A outra, a quase irmã, não poderia ser magoada.
O espírito dele, terra que um dia alimentaria a humanidade não teve dúvidas. Ele jogou a papoula a nossos pés.
Nenhuma de nós apanhou a flor desejada. O que aconteceu na alma de minha amiga eu não saberia dizer. Em mim, toda a emoção desceu aos pés e com os pés pensei: Vou pisar esta flor. Vou beber este sangue. Atreve-se ele a ser o que não sou? Nenhum de nós tinha ainda dez anos de idade. Em mim, porém, já existia o disfarce. E fiquei jovem hiena, rindo como se considerasse que o sol devesse brilhar igual para todos e meu irmão pudesse tirar papoula das cercas para qualquer menina.

Maria Preira de Albuquerque

Sete palmos a cima

areia por todos os poros.
nem é cova tão funda, nem é... nem é rato de esgoto, nem é... nem é ouro de tolo.... nem camisa rasgada... nem cabeça de touro, nem rabo de galo... nem briga de faca, nem bala perdida...nem gripe suína.
MORTE POR ASFIXIA!


Ali, deitada, divagou:
se fosse eu,
teria escolhido lírios.

Adriana Falcão

Farinha



Construção chumbo grosso. Sobe cimento, desce entulho. Mistura, mistura, mistura. Quanto mais trator escava mais terra tem pra cavar. E Reginaldo Xavier não é homem de perder serviço. Não relaxa depois do almoço, diz que pra ele tem isso não. Gosta de mostrar serviço pronto, forma de manter-se na ativa. Já passa dos 60, hoje só se vê homem moço nessa área: - Homem velho tem mais é que se aposentar! Brincam os outros. Reginaldo Xavier faz que não liga, faz que agüenta mais do que pode, faz de conta que não é velho. Construção é luta de boxe, envelhece cinco a cada ano. É sol e é poeira.
Reginaldo Xavier ainda acha que mulher se tem que conquistar, como não se acha velho, gosta das de vinte ou trinta. Gosta mesmo de Jakeline da Conceição. Passa mal quando ela rebola na frente do canteiro de obra, na frente dos outros machos e ele diz: - É minha! - Ela, fogosa, faz pose como se tirasse foto, depois passa. Era só pra atiçar, água na boca deles.
Jakeline da Conceição espera Reginaldo Xavier com uma calcinha preta que ele ainda suado gosta de rasgar. Não usa sutiã, peito pequeno. Calcinha no chão, short sujo de terra, camisa aberta, o pêlo dele, o gozo dela e ele, não gozou.
Reginaldo Xavier nunca broxou antes. Pensa que não é possível, ela não vai entender, ele não entende. Pensa pela primeira vez que ficou velho. Um homem entende outro. Pode ser o primo, família pode, amigo tira onda melhor não dar cabimento. Ia ter vergonha mesmo então, melhor o primo.
Na construção de Sydclei Xavier a argamassa é outra. Cimento pesado, fuligem grossa, poeira fina, pó! Vende, consome, oferece. Reginaldo Xavier nunca provou. Nuca foi dessas coisas, já nem fumava há uns 10 anos, nunca topou droga pesada. Sabia do primo, toda favela sabia, mas família é família, criado junto, quase irmão.
Reginaldo Xavier quase vermelho, sorriso amarelo, passa a mão no boné surrado, leva o boné ao colo, amassa o boné: - Broxei primo, e agora?
Sidcley oferece um gole da cerveja quase quente que tomava antes do almoço. Reginaldo aceita e também aceita o Viagra que o primo usa quando se sente impotente: - Eu nunca falho primo, pode confiar! Uma carreira ou duas?
Farinha da boa pra botar cavalo pra brigar. Farinha da fina, pro pirão não engrossar. Farinha da braba pra levantar defunto. Farinha todo dia, pra saia curta da neguinha não matar o velho.
Super Reginaldo Xavier, o homem. E a noitada é longa. Jakeline da Conceição chega em casa ás cinco da manhã, sem chave, pula o muro, quase sem força depois de tentar acalmar a instigação do namorado. Ele, volta pra casa feliz por ser homem, desce a ladeira e no primeiro beco cai duro de infarto fulminante.

16.06.09

Caldo de Cana

Caldo de Cana

Claro que dava um caldo.
Na Zona da Mata, zona é zona, que pode ser no mato ou não. E a mata é de cana, que corta e é cortada. Menino todo vestido de trapo para não ser lapiado pela folha facão.
Claro que dava um caldo.
Zona Norte, Mata Norte, caldo de mulher que deixa ele zonzo. Menino desde cedo entra numa de hormônio, doido para ser macho atrás de qualquer matinho.
Crisostemo Batista, homem de ferro:
- Mãe me chamava de Cristo, dizia que Vó me deu nome complicado.
O galo canta há quinze anos para Cristo ir cortar cana. Perdeu a conta das vezes que quis matá-lo.
Cristo não é santo, disso passa longe. De santo, só o milagre de continuar vivo. Dinheiro curto, contado, dinheiro sujo de cana. Mas é que por Ela, tinha que pagar. Não sabe quanto vai custar, mas puta daquelas não deve ser barato. Puta daquelas deve ser olho arrancado. Lugar desses só deve ter igual no exterior.
- As putas aqui são de qualidade, afirma o gigolô. – e o dinheiro que tu tem, paga?
- Eu quero aquela. – Aponta para Ela.
- Aquela é cara...
Cristo interrompe, tira do bolso a carteira, abre, puxa vinte notas de cinco, fecha, conta as notas. – São vinte notas de cinco. Diz confiante.
- Tenha uma boa noite senhor, quarto nº 05.
Gigolô faz um sinal de canto de olho e Ela sobe a escada, empina tudo que tem, vestida de nada além de um baby doll. Era mesmo boneca e criança. Quatorze, anos de uma vida já mulher. Parece que não faria outra coisa se não fosse puta. Parece que foi feita pra isso. Nascida em bordel, filha da pura sorte.
Claro que dava um caldo, o melhor da vida dele. Por que era menina, porque ia ser dele.
Feliz, boca sente cheiro, sente gosto, melaço da cana, açúcar nas coxas dela, Cristo Rei, Cristo homem, caldo na mão que ele mesmo esfrega no peito como quem canta vitória. Caldo de cana doce de botar inveja. Caldo do sexo e Ele em êxtase, Cristo nas alturas...
Claro que dava um caldo.

Carne de Sol

De um lado para o outro da praia o suor corria pelo rosto. Do maxilar, por entre os pelos da barba, até o queixo e caía, fazendo todo o percurso em quinze segundos. A areia chupava suor, o sal se unia a areia.
Washington. Entre os outros é referência. Homem de praia. Grades de cerveja na cabeça. Tipo que é só braço, só peito. Mãos que passam áspero. Virou homem de baixo de sol. Não acha que mudar de vida é algo a se pensar. Sem planos futuros nem grandes riquezas. Folga as quintas-feiras e uma rinha de galo. Não faz apostas. À noite, forró daqueles de dançar se esfregando. Do chamego ao motel do motel ao dinheiro, reservados pra ocasião. Não saía do eixo. Não repetia mulher, não queria filhos. Tinha dotes pra fazer bem feito qualquer cria.
Washington, em inglês. Homem de briga de areia, da briga diária da areia e dos pés descalços, estivando grades de cerveja geladas. Pagamento por hora. O joelho vai ao chão, a grade ao joelho, do joelho ao ombro. Corpo erguido novamente, do calçadão à areia, o movimento se repete. Um clássico dos domingos. Quanto mais sol mais suor, mais Washington dentro da areia, mais pele queimada, mais cerveja.
Ganhava o churrasquinho, o cachorro quente, o caldinho de peixe. Ganhavam todos em dias de Washington. Sede que dava! Calor que era calor de sol e excitação. Coisa de praia, de biquíni, de sunga molhada. Maresia elétrica até as quatro da tarde. Às quatro e meia, topava tomar uma ou duas ou mais, dependeria do rabo de saia que o convidasse. Disputa pela carne de sol. Disputa pelo Homem. Era quando ele escolhia. Escolhia pelo porte, pela bunda, pelo fio dental, por outra carne de sol, pra roer até o osso.
Salgado, quente, não pode evitar. Escolha errada. Faca no peito fura e retalha. Sangue na areia mancha marrom. É traição. Corre o traído quase linchado pela praia. Fica Washington, carne abatida. Ninguém comeu mais ninguém.


10. 10. 2008

Antônio


Provou, podia ser tão forte quanto as muralhas da China. Sempre esteve lá. Areia sobre areia, sob folhas sobre o chão. Onde pisaram filhos, casaram e morreram todas as mães da família. Era também esfinge. Voltava dos quatro cantos da terra, cria ávida em descobrir respostas. Estava lá, uma religião, um templo. Sagrado aos descendentes. Eram devotos da grande mangueira de tronco forte e sombra larga. Rezavam para o fruto não ter fim. Manga rosa. Roseira branca.
Hoje é pó.
Grades cinza, cerca de pau quebrado. Cerca nua. A disputada divisão entre as nossas e as terras vizinhas se tornou invisível. Não havia vizinhos. Depois dos anos de peste, dos tempos de separação, durante mais de uma década não se soube notícias do lugar. Nós, irmãos, não nos soubemos nem nos sentimos, porque era necessário e inevitável.
Sabíamos ser mais confortável que as visitas à velha casa, ocorressem em separado, e isso foi determinado no último dia que nos vimos. Voltaríamos de ano em ano no dia de aniversário de cada um de nós. Cinco irmãos, a culpa distribuída igualmente, caracteristicamente, solenemente. Fazíamos disto ritual místico de significado só nosso.
Estava lá. Pequeno berço, beco estreito onde nos esbarrávamos. Simulacro de felicidade e dor. Esbarrava em lembrança de alguém e pensava ser minha. Lembrança de bola e algodão doce. Memória de roubar caju. Memória coletiva de criança brincando junto. Juntos fomos felizes e desesperadamente tristes. A tristeza veio depois da maior alegria de nossas vidas. Papai recuperou a casa que estava hipotecada. Três dias de festa. Casamento de Margarida, irmã mais velha, quase mãe. Era festa de São João. Fogueira acesa, fogos, muito vinho.
Eu era menino, quase homem, dezessete. Nunca tinha estado com mulher. Não era bem o que eu queria. Ainda negava os desejos. Dormia pensando nos homens negros, dormia enrijecido pensando no suor dos homens negros. Nunca fui afeminado. Não sou. Gosto de homens e gosto de ser homem. Sempre fui de briga. De lavar a honra de minha mãe quando chamada de puta em jogo de futebol.
Antes de mim, Januário. Queria estudar Direito, cursar a Faculdade de Direito do Recife e ser gente, palavras dele. Pensava em dinheiro grande, em viajar para os Estados Unidos, em ser patrão, em ter carro com motorista, em comprar o que quisesse. Em ser feliz e rico.
Antes de Januário, Glorinha. O defeito na perna sempre a deixou insegura. Mesmo quando Carlos, filho de parente distante lhe pediu a mão. ”Só pode ser doido, casar com uma manca” - afirmava. Era linda.
Antes de Glorinha, Joca. Parecia mais velho e dizia que tomaria conta da granja do pai. O pai não acreditava muito. Joca era meio doido. Nunca aceitou os remédios, nunca quis casar pra não dividir a herança com mulher interesseira.
Antes de Joca, Margarida, que foi mãe. Porque a mãe esteve doente. Mamãe não nos viu crescer. Doença que paralisa, algo de praga rogada.
Margarida ia casar.
Casou.
É provável que mesmo antes de se tornar mulher, a casa já estivesse pegando fogo.
Foi acidente que só acontece em festa. Quando algum bêbado, não se sabe quem, destrói a vida de muitos. Algum bêbado andando torto levou fogo onde não devia. As primeiras a queimar foram as cortinas da grande sala. Os tapetes ainda receberam água na tentativa de segurar chamas impossíveis.
Naquela noite entendi o que sentia minha mãe. Entendi a paralisia, a inércia, estava estático. Lembro pouco. Apenas de tudo ser festa e num minuto, fumaça. Dos gritos de Glorinha pra salvar o álbum de família. Dos homens da casa tirando água do poço. Baldes passando de mão em mão.
- Antônio! Acode!
Gritavam por mim.
- Vira homem Antônio, o pai tá morrendo!
- Morrendo?
Morreu.
Pensei que o fogo também nos mataria. Não matou. O fogo se foi de repente. Só matou meu pai de fumaça. E tirou nossa alma.
Qualquer união que tivéssemos se foi junto com a última faísca. Da casa só restou paredes, alguns móveis pela metade. Minha mãe já nem falava e com três dias também se foi. Eu era estranho. Fui construído daquela casa, da caliça, reboco, das pinturas de fim de ano. Da mesa de madeira de lei, do piano de cauda do meu avô, palco dos porta-retratos da família. Arrancou-se a pele que me vestia. Carne viva, meus irmãos e eu tivemos que nos dispersar. Quanto mais longe do que éramos, melhor nos costuraríamos.
Quase homem, me joguei por muitos dias num quartinho no Velho Recife. Era o que podia pagar com o dinheiro recebido na divisão da venda das galinhas de meu pai, herança que restou. Era 1961, e durante quase cinco anos pensava em voltar, desejava reconstruir a vida no bairro onde nasci. Recife se formava em prédios. A cada janeiro a esperança se renovava, a cada dezembro morria com o resto de mim. Fui esquecendo entre putas e gigolôs que eu era Antônio de Jacira e José.
Descobri que a reinvenção de nós mesmos pode ser uma dádiva. Percebi as possibilidades. Podia ser quem quisesse, brincava com isso. Eu era Paulo, Roberto, Jorge, João. Eu era Antônio, e podia dormir com todos eles, me apaixonar por alguns. Gostei. Sofri. Aos vinte e cinco já era vivido. Tinha feito de tudo, acumulado dinheiro, prazer e dor. Casei dois anos depois. Fui morar em Mustardinha com Cristina, única mulher que me atraiu. Lembrava Margarida - hoje perto dos quarenta, deve estar cheia de filhos - lembrava algo que perdi. Senti por algum tempo que não havia passado nem futuro. Eu era estéril.
Nunca houve noite que não sonhasse com a casa, não houve pesadelo que não fosse fogo. Não havia esquecido de nosso trato, voltar de ano em ano. Era hora.
E foi.
Faria 30 anos. Três dias para estar em casa. E nesses dois dias de espera, um tempo tonelada. Pesavam os centésimos. Quilos de horas de chumbo. Cristina aliviava meu terror.
- Pra onde vamos?
- Buscar respostas.
A Casa fica em Dois Irmãos. Longe de tudo que é. Terra boa, de chão firme e tempo úmido. Terra que planta cresce sem demora. Todo mato está em volta dela. As trepadeiras cuidadosamente podadas por meu pai viraram partes dos restos de parede, segurança para que não caiam de vez. Os galhos da grande mangueira já se misturam com a sala e tudo parece um jardim secreto. Flores brotaram do chão de madeira oca. Uma casa de pássaros, é o que é.
Seguro a mão de Cristina, aperto e por alguns minutos penso que o corpo não agüentará. Ela me aperta ainda mais forte como se estivesse só agora me conhecendo melhor. Acalmo. Sinto cheiro de minha mãe. Cheiro de lençol lavado, de cama de senhora mãe. Cheiro de identidade descoberta. Cheiro de irmão. Sinto todos. Pai, grito de pai, do grito que manda na gente. Saudade da galinha, do milho. Margarida cantando para as flores nascerem mais. Sinto margarida. Mãe. Pai.
- Pergunta.
- Vim pra isso e não tenho coragem.
Ela me olha.
Digo:
- Vou entrar até o fim.
- Te deixo só.
- Deixa.
Estou indo.
Passo por onde ficava o piano. Toco um lá que não existe mais. Toco as paredes. Piso nas lembranças do tapete de Vó Amélia. Tapete de couro cru, do mesmo couro das botas de Pai José. Botas de domingo. Eu vejo as botas. Estão aqui as pegadas de barro molhado, de quando o pai entrava em casa depois de aguar a roseira branca. O cheiro das rosa que entrava com ele. O cheiro dele. O cheiro do Recife desabitado. Ouço vozes :Perdoa o destino, Antônio. E num susto fico livre para o futuro.

MIRANTE

Do fundo da casa dele só dava pra ver o sorriso dela por um retalho quadrado através da janela. Só dava pra ver mesmo no escuro. Apagava todas as luzes e também sorria.
Pensava quando poderiam morar juntos. Casar mesmo. Morar nela. Deitar sobre, flutuar, entrar em transe.
Parte da sua rotina era esperá-la, vê-la chegar e partir, e por isso não dormia muito. Noites em claro espiando, espiando pelo retalho o momento em que se cobre. Mesmo embaixo do pano ele a percebe. Ela tem luz. E quando se descobre até as ondas do mar vibram também.
Ele, lobo homem, não se permite virar para não assusta-la, não quebrar o encanto.
Suspira. Quer ser o único a cobiçá-la, único na mesma órbita. É mesmo um lunático. Quer uma corda, uma ponte, um laço, segura-la, medo que não volte. Ir com ela. Chamar-se Jorge, a quem rogava pragas de ciúme.
Mataria qualquer dragão para ir à lua.


14.03.09

Praga (ou Aviso aos ladrões da Ilha)


Para Barra de Jangada
Asfalto é piche preto.
É sujo como carvão suja a mão da gente.
Agressivo até o Cabo da Boa Esperança.
Até Risort de picinas naturais!
Naturalmente.
Milimétrico design ultra-moderno.
Porque chegou o asfalto. O piche. A ponte do progresso.
Niemayer frente ao mar. Brasília litorânea em crescimento.
E o plástico verde? Cadê? Cadê filtro solar?
Sol daqui uns anos derrete até o piche deles.
Asfalto lama negra.
Lama para a pele.
Do suor de Suape de vagas especializadas.
Sol daqui uns anos derrete mesmo o piche deles
E ninguém vai chegar ao maldito Risort milimetricamente natural. Naturalmente.
Naturalmente e com toda força,
Água derrubará as obras de arte das paredes compradas,
As terras compradas aos Brenand.
Roubadas.
Tubarões vão jorrar nas salas
Das ladys com poudles asiáticos.
Areia de praia, areia movediça, lama, piche.
O peneu Michellan do Renaut stile derreterá.
O cacto, o corte, catinga de borracha queimando.
Pranchas atômicas condomínio adentram.
S.O.S surf.
As trombetas do backside dos meninos do mar.
Poseidon dirá quem manda e o tridente será problema seu.
07 de abril de 2009

Propósito (ou Fantástico)

Parte 1

Antes do lado de lá

Estava de boca seca, fumou três cigarros. E ele nem fumava.
Não fumava desde os vinte três, quando teve pneumonia, depois de um verão meio chuvoso no interior. Foi dose essa pneumonia! Voltou a fumar no velório dela. E ele nem a conhecia. Estava com o rosto molhado, nunca suou tanto, nem fez tanta força para não chorar. Nunca teve raiva tão grande, nem quando perdeu tudo pro sócio. Às vezes uma inocência burra, outras vezes impulsividade. Não sabia como chagara ali, não queria sair. Mais fácil estar num velório. Não foi por vê-la morta que voltou a fumar, como disse, nem a conhecia. Nem foi pelo sócio e todo dinheiro do mundo, nem pela morte. Foi pela vida. Quis ir com ela, teve uma vontade imensa de se jogar na cova, e foi fazendo planos: -- Depois do pai nosso, a hora é essa...
De repente pensou que nem sabia por que ela morreu.
- E se não foi por uma causa justa poderia dar problemas, e se ela for pra outro lado do céu? Talvez me puxe pela mão e me leve pra onde não quero ir.
Porque achava que sua própria causa sim, era justa, morreria pela vida. E de quê mais se pode morrer? Diriam mesmo:
- Morreu de vida bandida, de vida amarga, sem graça...
É, a vida mata!
Cachaça.
Não, nunca bebeu. Achava ruim a possibilidade de vomitar ou do cachorro lamber a boca. A inocência burra outra vez, sem a impulsividade agora. Os impulsos só chegavam quando nem ele tinha esperança. Um de repente, só de vez em quando. E ainda assim, de vez em quando se arrependia. E agora era hora de pensar no depois, no arrependimento póstumo. E sendo póstumo, já era. A não ser que Deus, de bondade ou coisa assim, diga que topa esquecer tudo.
Dúvida de homem bomba. Pode ser que do outro lado do céu Alá nem seja Alá. Ainda por cima atormentava-lhe um comercial do Discovery sobre o Caribe, cujo slogan era:
O paraíso é aqui!
Nuca foi ao caribe.
A idéia de não mais poder ir também lhe assustou. Assim como o fato de não ter nenhum amigo, guardião do último segredo. Não tinha amigos, apenas mais duas xícaras nunca usadas, na casa quase sem móveis, da última rua da vila. Não sentiriam sua falta. Nunca souberam nem seu nome. Achava sempre que não era o caso de se apresentar. Cabeça baixa.
- Melhor não olhar.
E mesmo assim chamava atenção. Qual não chamaria? Falava sozinho. Falava para ouvir o que ninguém lhe dizia. Não lhe diziam nada. O homem imaginário amigo de ninguém. Caso sem jeito.
Entendeu.
Preparou-se para correr, pegou o impulso e, depois do Amém, jogou-se na cova nº. 1630, cova de Dona Juracy Ferreira Gonsalves.
Nunca souberam nem seu nome.

Madrugada de mãe, papel e caneta.

A Maria Pereira

Sonhei,
Eu dormia e ela
Papel e caneta.
Ela, trabalho.
Cabeça no mundo,
Letrando páginas de papel em branco.
Eu ainda dormia,
Antes mesmo de crescer,
E ela já tecia linhas
De poesia com café.
Desde a maquina verde
De escrever cansando os punhos
De mãe maria-fumaça.
Eu dormia,
E sonhava.
Na segurança da sentinela
E dos poemas.
Guardada no quarto dos livros,
Coberta de estórias de dormir.

Dádiva

Para Valmir Jordão

Deusuite durou pouco
Deu duro toda vida
Quando decidiu
Ser puta até a morte

Deu adeus a AIDS
Ao dia, ao desespero
E num copo de veneno
Desmanchou-se.

Em meio às costela

Andava por entre as bombas de gasolina
Não tinha dinheiro.
Esquálido
Parecia sujo,
Tinha trauma da paixão
Que lhe levou tudo
Traumas agudos.

O início

Papai dizia:
A vida não é apenas sonho
Ela não quis acreditar
Arrumou as coisa, partiu
Amargura de meu pai
já imensa bola rocha, explodiu
Eu tive que pular,
pra que o amargo
não grudasse em mim.

Aconteceu


Papai dizia:
A vida não é apenas sonho
Ela não quis acreditar
Arrumou as coisa, partiu
Amargura de meu pai
já imensa bola rocha, explodiu
Eu tive que pular,
pra que o amargo
não grudasse em mim.

minimos


Eu
em
3x4