terça-feira, 4 de agosto de 2009

Propósito (ou Fantástico)

Parte 1

Antes do lado de lá

Estava de boca seca, fumou três cigarros. E ele nem fumava.
Não fumava desde os vinte três, quando teve pneumonia, depois de um verão meio chuvoso no interior. Foi dose essa pneumonia! Voltou a fumar no velório dela. E ele nem a conhecia. Estava com o rosto molhado, nunca suou tanto, nem fez tanta força para não chorar. Nunca teve raiva tão grande, nem quando perdeu tudo pro sócio. Às vezes uma inocência burra, outras vezes impulsividade. Não sabia como chagara ali, não queria sair. Mais fácil estar num velório. Não foi por vê-la morta que voltou a fumar, como disse, nem a conhecia. Nem foi pelo sócio e todo dinheiro do mundo, nem pela morte. Foi pela vida. Quis ir com ela, teve uma vontade imensa de se jogar na cova, e foi fazendo planos: -- Depois do pai nosso, a hora é essa...
De repente pensou que nem sabia por que ela morreu.
- E se não foi por uma causa justa poderia dar problemas, e se ela for pra outro lado do céu? Talvez me puxe pela mão e me leve pra onde não quero ir.
Porque achava que sua própria causa sim, era justa, morreria pela vida. E de quê mais se pode morrer? Diriam mesmo:
- Morreu de vida bandida, de vida amarga, sem graça...
É, a vida mata!
Cachaça.
Não, nunca bebeu. Achava ruim a possibilidade de vomitar ou do cachorro lamber a boca. A inocência burra outra vez, sem a impulsividade agora. Os impulsos só chegavam quando nem ele tinha esperança. Um de repente, só de vez em quando. E ainda assim, de vez em quando se arrependia. E agora era hora de pensar no depois, no arrependimento póstumo. E sendo póstumo, já era. A não ser que Deus, de bondade ou coisa assim, diga que topa esquecer tudo.
Dúvida de homem bomba. Pode ser que do outro lado do céu Alá nem seja Alá. Ainda por cima atormentava-lhe um comercial do Discovery sobre o Caribe, cujo slogan era:
O paraíso é aqui!
Nuca foi ao caribe.
A idéia de não mais poder ir também lhe assustou. Assim como o fato de não ter nenhum amigo, guardião do último segredo. Não tinha amigos, apenas mais duas xícaras nunca usadas, na casa quase sem móveis, da última rua da vila. Não sentiriam sua falta. Nunca souberam nem seu nome. Achava sempre que não era o caso de se apresentar. Cabeça baixa.
- Melhor não olhar.
E mesmo assim chamava atenção. Qual não chamaria? Falava sozinho. Falava para ouvir o que ninguém lhe dizia. Não lhe diziam nada. O homem imaginário amigo de ninguém. Caso sem jeito.
Entendeu.
Preparou-se para correr, pegou o impulso e, depois do Amém, jogou-se na cova nº. 1630, cova de Dona Juracy Ferreira Gonsalves.
Nunca souberam nem seu nome.

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