Não por acaso, minha mãe. Alta literatura! como ela mesmo costuma dizer...
Cerca de papoula
Cerca de papoula
Ele estava no alto da cerca apanhando a papoula mais vermelha para me oferecer. Uma amiga – quase irmã – chegou junto e ficou olhando para ele igual se olha um deus.
Eu o olhava de igual pra igual sabendo que ele era meu, propriedade particular, inalienável.
E ele nos olhou em divertido e desesperado desamparo. Eu era sua alma gêmea. A outra, a quase irmã, não poderia ser magoada.
O espírito dele, terra que um dia alimentaria a humanidade não teve dúvidas. Ele jogou a papoula a nossos pés.
Nenhuma de nós apanhou a flor desejada. O que aconteceu na alma de minha amiga eu não saberia dizer. Em mim, toda a emoção desceu aos pés e com os pés pensei: Vou pisar esta flor. Vou beber este sangue. Atreve-se ele a ser o que não sou? Nenhum de nós tinha ainda dez anos de idade. Em mim, porém, já existia o disfarce. E fiquei jovem hiena, rindo como se considerasse que o sol devesse brilhar igual para todos e meu irmão pudesse tirar papoula das cercas para qualquer menina.
Maria Preira de Albuquerque
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