terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Do livro "Faro" ( em produção)

Cozido


Desde que foi acusada de cozer o filho dentro do carro, Mãe não é mãe nem é gente. Esqueceu. Memória falhou. Esqueceu o filho, foi ao trabalho onde esquecer é proibido. Se quiser esquecer, esqueça a vida.
Mãe fixa post-its nas paredes divisórias que a separam das outras mães esquecidas, mães precisam lembrar tudo.
Desde então, cotidianamente Mãe veste-se de luto, carrega o peso de um manto ancestral de culpa cinza. Tão pesado quanto pode ser a morte do filho. Peso passado em gerações que mães recebem de braços abertos. Manto arrasta no chão, Mãe tenta suspendê-lo, salvar a culpa das águas da chuva chorada por todos.
. Aos olhos do mundo Mãe desce a Misericórdia com olhos sem luz. No abrir dos olhos do mundo Mãe sabe ser forte. No piscar dos olhos do mundo recolhe todas as penas. Sobretudo na dor consola o mundo. É dela o andor, via-crúcis até a pena máxima.
Todos os olhos cerrados.

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