Ele/ Ela
“Gloria Deus, nosso Pai!” Fim do culto.
É quando junta gente pra pedir conselho ao Pastor. Ele sabe falar, faz o gosto do rebanho. Fala manso, toca no ombro da gente, alisa a própria cabeça, levanta as calças. Tem certo pigarro de homem sério, recebe respeito por isso. Sempre solta frase feita quando os últimos estão à porta, um bordão: “Vão em paz pelo caminho de Deus.”, diz com fervor. “Amém!”, ele mesmo responde.
Recolhe a “palavra”, os dízimos, o paletó. Depois de afrouxar a garganta suada, recolhe a gravata e leva tudo à salinha ao lado. Televisão tela plana, DVD, geladeira Cônsul, um fogão de forno ainda quente - do qual Ele sempre espera um bolo - um discreto sofá-cama e nele, a Mocinha que limpa a igreja. Quando percebe que o culto está no fim, a Mocinha espera pelo Pastor, espera pelo momento mais pesado da faxina, pela parte gordurosa, a parte que por força finge que gosta.
O Pastor reclinado no sofá, espaçoso, abre as calças, espera que a mocinha puxe o resto. Ela é rápida, Ele pede calma. Alisa entre as pernas dela, sempre secas. Ele a lambe, ela chora.
A Mocinha veio nova, quinze anos, de Catende quando a usina fechou. Com morte de pai e mãe, não fala muito. Pensa sempre no Apocalipse, de como morrerão todos na fogueira de Deus. De como ele será o primeiro. Pensa sempre no que ouve encostada à parede, no que gritam os fiéis sobre o “Deus do Impossível”. Pensava no que falam sobre “destruir o inimigo”, sobre “as mil faces do Diabo”, o diabo era ele. E mistura tudo; a glória, o trono sagrado, as trombetas. Todo sonho é ruim.
- Tá chorando por quê? Já disse que me dá agonia quando você começa a chorar. Já disse também, que quando você ajuda o Pastor relaxar ajuda a Deus.
Ele nos olhos dela, ela de olhos fixos no nada, não havia expressão nem no choro. Lágrima corre, piga nas calças dele. Ele acha que urinou. Levanta-se envergonhado, tem problemas com isso - urinou até a adolescência, na cama onde dormia com dois irmãos mais velhos. Apanhava toda manhã – ele vai ao banheiro, ela enxuga o rosto. Ao som da descarga acende o fósforo, abre o forno, liga o gás e tão rápido quanto a luz, o Apocalipse chegou e o bolo virou farinha.
Não vejo a hora de seu livro sair, Ana.
ResponderExcluirSeus textos parecem recortes de jornal, retratando a realidade. No entanto, sua poesia contrabalança o que há de cru no que é visualizado. Seus textos são muito fortes e humanos. No aguardo de mais textos seus!